Privatização de parques nacionais ameaça biodiversidade e comunidades tradicionais
A ideia fixa do governo Bolsonaro de destruir o patrimônio nacional chega aos parques e florestas nacionais. Decreto assinado por Jair Bolsonaro e pelo seu ministro da Economia, Paulo Guedes, no início de fevereiro, inclui cinco parques nacionais no Programa Nacional de Desestatização (PND): Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, no Rio de Janeiro; os Parques Nacionais da Serra da Canastra e da Serra do Cipó, em Minas Gerais; o Parque Nacional de Caparaó, localizado na divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo; e a Floresta Nacional de Ipanema, em São Paulo.
O governo diz que objetivo é conceder à iniciativa privada o direito de explorar serviços de turismo ambiental dentro das unidades de conservação brasileiras, como bilheteria, trilhas ecológicas, centros de visitação e até hospedagem. A gestão permanece sob responsabilidade do ICMBio, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), será responsável pela estruturação dos projetos de concessão desses serviços.
A inclusão dessas cinco novas unidades de conservação no PND do Governo Federal é potencial ameaça à sociobiodiversidade e aos direitos de populações tradicionais que há décadas reivindicam ser as legítimas ocupantes dos territórios. Mas, se o objetivo das privatizações é explorar o turismo, como explicar o interesse de empresas de mineração, como a Vale, na administração dos três parques situados em território mineiro?
O Parque Nacional da Serra da Canastra, com quase 2 mil quilômetros quadrados, é o maior deles. A área, onde se encontram as nascentes do rio São Francisco, é ocupada por cerca de 1.500 famílias de produtores e moradores da área rural. Entre elas, estão 43 comunidades e 550 famílias tradicionais da região, que ocupam o local há pelo menos 250 anos. Essas famílias e toda a biodiversidade da área estão ameaçadas pelo olhar ganancioso das mineradoras, que veem o enorme potencial de extração de diamantes na Serra da Canastra como motivo para se apoderarem do parque.
Outro alvo das mineradoras é a Serra do Cipó, que fica na região metropolitana de Belo Horizonte, e é um dos destinos turísticos mais procurados em Minas Gerais. Atualmente, no município de Conceição do Mato Dentro, a Anglo American explora ferro, expondo a população ao risco de rompimento de uma barragem, a exemplo do que aconteceu em Mariana e Brumadinho.
A entrega de áreas de preservação, como são os parques nacionais, tem causado reação de ambientalistas, que se posicionam contrários a mais uma iniciativa do desgoverno bolsonarista em direção ao desmonte do patrimônio público.
Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM), é uma das vozes contrárias. Para Bocuhy, “parques abarcam uma grande quantidade de bens ambientais, foram constituídos porque detêm qualidade ambiental, ecossistêmica, e esta qualidade tem que ser gerida como bem público, de uso comum do povo. Quando este bem público é colocado para ser gerido por entidade de caráter privado, que tem por finalidade a geração de lucro, se estabelece, logo de início, um conflito de interesses neste processo.
A Constituição Federal de 1988, no artigo 225 , defende que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Para Bocuhy, “a forma de compatibilizar a gestão de um bem público por um ente privado só seria possível se fosse feita em pequena escala, como concessão de serviços, uma lanchonete, por exemplo, pequenas atividades que possam ser exploradas no local de acordo com regras pré-estabelecidas. Mas a gestão de um parque que envolve planejamento, investimento, não é possível, pois você gera um conflito de interesses que é, na maioria das vezes, intransponível”.
Em outros países existem experiências de parcerias público-privadas na gestão de unidades de conservação, mas no Brasil não há sequer estudos sobre seus impactos nessas áreas ou nas comunidades locais. A busca do lucro na gestão das áreas de preservação, onde estão inseridas comunidades tradicionais, tende a agravar os conflitos fundiários, em especial quando as comunidades não são consultadas ou informadas sobre a privatização, numa clara violação da soberania dos povos em seus territórios.
A entrega dos nossos parques é apenas mais um passo rumo à desregulamentação ambiental e ao desmonte das políticas de preservação do meio ambiente. A gestão da coisa pública e do meio ambiente no governo federal é duramente criticada por Jeferson Meira, o Jefão, secretário de Relações do Trabalho da CONTRAF-CUT. Para Jefão, “desde que era parlamentar, o atual presidente já demostrava uma terrível aversão pela natureza. Seu governo é o que mais tem atacado o meio ambiente, desmontando toda a estrutura de fiscalização e incentivando a degradação. Bolsonaro vem batendo todos os recordes em destruição da natureza e usa dados enganosos para deturpar a realidade”.
Jeferson também ataca a entrega dos parques nacionais à iniciativa privada. Para ele, “privatizar parques públicos tão importantes para a conservação da biodiversidade, da cultura e de povos tradicionais é a forma desse desgoverno reafirmar o desprezo absurdo pelo nosso riquíssimo patrimônio ecológico. É um total desconhecimento socioambiental. Bolsonaro cede ao lobby das grandes mineradoras e da parte do agronegócio irresponsável, colocando a ambição e ganância acima de tudo e de todos”.