Isolamento horizontal é a melhor forma de conter avanço do coronavírus

Nos últimos dias, dois tipos de distanciamento social que podem ser adotados diante de uma pandemia como a do novo coronavírus (Covid-19) têm dividido opiniões no Brasil. De um lado, o isolamento horizontal, defendido por profissionais de saúde, pela comunidade científica e pela maioria dos governadores, prevê o confinamento da maior parte das pessoas, independentemente de pertencerem a grupos de risco ou não, mantendo-se somente serviços essenciais em funcionamento (os não considerados essenciais como comércio, escolas, bares, cinemas , teatros e casas de espetáculo são fechados). Na outra ponta está o isolamento vertical, defendido por Jair Bolsonaro e por grandes empresários brasileiros, que prevê apenas o distanciamento social de idosos, pessoas com doenças cardíacas e respiratórias e diabéticos, entre outros grupos de risco. Este último, porém, falhou em locais que o adotaram na tentativa de conter o avanço do coronavírus.

 

O dirigente Carlos Damarindo, secretário de Saúde do Sindicato, avalia que o momento é de preservar vidas, evitar um colapso no sistema de saúde e que o isolamento horizontal é a melhor forma de conter a epidemia.

“O isolamento horizontal foi adotado em muitos países, entre eles a China, onde houve confinamento precoce de uma região onde surgiram os primeiros casos de coronavírus, quando havia apenas 17 mortes ainda no país, ainda no fim de 2019. Hoje temos pouco mais de 3,3 mil mortes na China ante uma população de 1,4 bilhão. Na Itália, que tem 60 milhões de pessoas, o isolamento horizontal foi adotado tardiamente, apenas no começo de março, e o país já contabiliza mais de 12 mil mortes por coronavírus. É bom ressaltar que na cidade italiana de Milão, por exemplo, empresários viralizaram uma campanha, ‘Milão não pode parar’, que foi compartilhada inclusive pelo prefeito local, que depois considerou a atitude um erro”, salienta Damarindo.

“No Brasil, há pelo menos dois problemas com o isolamento vertical, que depende de rastreamento e testes amplos do novo coronavírus. Como isolar adequadamente grupos de risco, com moradias em sua maior parte de quartos e banheiros coletivos, com distanciamento dos demais integrantes da família que estariam trabalhando e estudando, considerando as condições precárias de moradia da maioria da população, muitas delas vivendo em pequenos cômodos ou em locais insalubres com o restante dos familiares? No Brasil, a grande maioria das famílias depende de composição de renda, há um abismo econômico e social cada vez maior. E quando falamos dos que moram sozinhos, como fariam compras de alimentação e de produtos essenciais sem ficarem expostos ao coronavírus de alguma maneira? No Reino Unido e na Holanda, que adotaram o isolamento vertical, os governos abandonaram esse tipo de confinamento quando houve crescimento rápido no número de doentes e uma ameaça de colapso no sistema de saúde”, acrescenta o dirigente.

Maria Maeno, médica pesquisadora em Saúde do Trabalho, enumera outros problemas caso o confinamento defendido por Bolsonaro e a maioria dos empresários, caminhoneiros e trabalhadores informais fosse adotado no Brasil.

“Considerando que muitos diabéticos e hipertensos não sabem de sua condição clínica, eles estariam expostos, em risco. Há ainda um outro fator: os menores de 50 anos e sem doenças graves têm menor risco, mas há quadros e óbitos pelo novo coronavírus também nessa população, em menor proporção”, salienta a pesquisadora, que acrescenta que o Brasil não tem estrutura para adotar o isolamento vertical.

“Para fazê-lo, o país teria de ter uma política eficaz de rastreamento e testes do coronavírus. Nós, um país continental e com muitas peculiaridades regionais, hoje temos como produzir os testes necessários, mas as instituições públicas de pesquisa, como a Fiocruz, precisam de investimento para isso”, finaliza Maria Maeno.